quinta-feira, 7 de abril de 2016

‘Oportunismo se confunde com populismo’, diz Delfim Netto


​O ex-ministro da Fazenda Delfim Neto critica 'intervenções voluntaristas' da presidente Dilma na economia, como tentativa de reduzir o preço da gasolina. E diz que não há nada pior para um líder do que 'ficar olhando para a aprovação de curto prazo'. Segundo ele, é preciso organizar: "O Executivo, seja ele qual for, precisa recuperar seu protagonismo".

Cresceram esta semana as dúvidas sobre o desfecho do processo de impeachment. Como o senhor vê isso?

As condições não mudaram tanto assim. É que as informações (da acusação) são muito precárias. Desde o começo não me convenci sobre as tecnicidades do processo. É preciso provar que houve violação de função e, se não houve violação de função, o impeachment não vai prosperar. É duvidosa a tese das "pedaladas".

Duvidosa?

Duvidosa, pelo menos. À direita na estante (Câmara) e todos os livros da direita dizem que houve crime. À esquerda, todos dizem que não houve.

A eventual continuidade da presidente Dilma no cargo seria melhor ou pior para o país?

Não existe melhor ou pior porque você está condicionado pela estrutura política. Existe um mecanismo sucessório estabelecido pela Constituição. Por que está acontecendo tudo isso? Porque visivelmente o Poder Executivo não teve condições de exercer sua liderança. Nós vivemos num sistema presidencialista de coalizão, e a presidente não "presidencializa" nem "coaliza". Se a presidente tivesse assumido a responsabilidade que é dela e apresentado projetos de reforma à Câmara, porque no presidencialismo o Executivo organiza o Legislativo... Não se pode ter esses dois poderes independentes.

É um grande problema?

Pior, não se pode ter um governo em que o próprio Executivo tem dois programas: um do ministro Nelson Barbosa (Fazenda) e o programa do PT, que é exatamente a negação do primeiro. Ou seja, há no fundo um tipo de desorganização que inibe o funcionamento do sistema.

Mas a presidente Dilma não conseguiu até aqui exercer essa governabilidade. Como teria condições escapando do impeachment?

Se ela não retomar a governabilidade, vai continuar tudo exatamente como está. Vai continuar destruindo a economia brasileira.

E um eventual governo de Michel Temer, o senhor acredita que ele teria mais condição de governar e levar adiante as reformas estruturais?

Eu acredito que sim. Como acredito também na possibilidade de ela (Dilma) organizar o seu governo um pouco melhor, permanecendo. E, sem dúvida, o Temer tem um bom programa, com um divisor comum que reúne algumas ideias que são praticamente consensuais que, se forem postas em prática, seguramente melhorarão as condições da economia.

O senhor fala nas reformas, mas há pressão de empresários e movimentos sindicais por medidas de curto prazo para destravar a economia e gerar empregos. Como fazer isso com a precariedade fiscal do governo?

O Executivo, seja ele qual for, precisa recuperar seu protagonismo. Porque, no presidencialismo, se não houver o protagonismo do presidente, nada acontece. Ele tem que ter ideias e capacidade de entender o que está acontecendo, mas basicamente ter poder de cooptar uma maioria no Congresso. O que aconteceu com o governo? O governo não tem ninguém.

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Ter o ex-presidente Lula mais próximo ajudaria a presidente Dilma a buscar esse protagonismo, se ela se livrar do impeachment?

Acho uma ideia original, de pôr o Lula na Casa Civil. Porque o Lula é o único sujeito capaz de pôr uma sela no PT e dar uma volta com ele. E como o PT é inimigo do governo, a participação dele resolveria metade do problema. Mas chegou tarde.

Chegou tarde?

Sim, porque acho que a coisa avançou demais. Talvez, se não sair o impeachment, ele, na Casa Civil, vai ter condições de mobilizar essas forças para apresentar um novo governo.

O ex-presidente então terá um papel fundamental se não houver impedimento da presidente?

Ele tem papel fundamental de qualquer forma. Se não sair, ele será um dos pontos mais importantes em torno do qual se fará a negociação para a continuação do governo, para a Dilma terminar o governo.

Se o senhor diz que o ex-presidente Lula chegou tarde é por que vê o afastamento da presidente como um cenário mais provável?

O grande drama desse negócio é que toda a contagem de votos (no Congresso) é muito relativa. Esse impeachment vai ser decidido pelo voto dos vivos. E aqueles que vão morrer no dia 17: perdeu uma perna, operou o apêndice, a vovó morreu e vai ser enterrada. São os que não vão comparecer (para votar). São os mortos do dia 17, que ressurgirão como Lázaros no dia 18. Aparecerão lá, salvos da morte. Os faltantes é que decidirão.

Por quê?

Porque é assim que funciona (o Congresso). Porque a cooptação, um por um, ela produz em geral um Frankenstein. Depende de quantos eles (o governo) convencerem a não comparecer.

O senhor diz serem inadiáveis reformas estruturais de problemas que vêm desde a Constituição de 1988, como a da Previdência e das vinculações orçamentárias. São pendências antigas...

Mas esses problemas só apareceram agora por causa da recessão. Para qualquer pessoa que pensa (esses problemas) já eram visíveis em 1988. A vinculação de despesas é um ato de burrice administrativa monumental. É a mesma coisa que você subir num avião, levantar voo, pôr no piloto automático e esperar acabar o querosene.

Mas nenhum governo, mesmo o do presidente Lula, ousou avançar nessas questões...

Nem o Fernando (Henrique) quis, porque quando o político está no auge da popularidade ele começa a pensar: por que vou arriscar todo o meu prestígio para fazer essa correção? O futuro não fez nada por mim, por que eu vou fazer alguma coisa pelo futuro?

E em situações políticas menos favoráveis, como a atual, fazer isso é ainda mais difícil, não?

Só se faz quando obrigado, diante de um fato físico. E não temos alternativa. (O presidente) Tem que ir para a televisão e dizer: "Olha, não sou contra a Previdência, sou o único a favor, e se nós não fizermos isso a Previdência vai acabar."

Mas, na conjuntura de crise atual, haverá sempre uma pressão muito grande por medidas de estímulo, que mexem com o pendor populista dos governos, como aconteceu com esse movimento para baixar os preços da gasolina, que foi abortado...

Isso foi uma medida de oportunismo indecente. Porque o prejuízo que eles impuseram à Petrobras (controlando os preços da gasolina e do diesel) é algo como US$ 60 bilhões, e o superávit que a empresa obteve até agora não chega a um terço disso. Isso é muito bonito, mas não há nada pior que um líder, que se pretende um líder de verdade, ficar olhando para a aprovação de curto prazo.

Seria mais um erro do governo Dilma?

Seria repetir 2012, início das intervenções voluntaristas, que levaram à tragédia econômica que temos hoje. Quando ela estiver no máximo do erro estará no máximo da aprovação, e no mês seguinte estará no pior dos mundos. É evidente que esse oportunismo, que se confunde com populismo, não leva a lugar algum.

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O país vive um momento econômico muito ruim, com tudo parado, investimentos, consumo. O que vão significar esses três anos de recessão, pelo menos, para o PIB potencial brasileiro?

Uma tragédia. É uma tragédia. Em 2011 a Dilma fez um excelente governo. A economia cresceu 3,9%, ficou com inflação no limite superior da meta, teve superávit primário, de 3%, teve superávit fiscal, também de 3%, reduziu a relação dívida PIB. A confusão começou em 2012 quando, com uma aprovação muito alta da sociedade, o governo Dilma começou a fazer coisas equivocadas. A intervenção no setor elétrico, que foi um erro fundamental, que começou a tragédia. E a aprovação dela subiu seis pontos percentuais. O que mostra que político que obedece a levantamentos populares para administrar, vai para o buraco. Não satisfeita com isso, começou a intervenção nas taxas de juros, que não seria errada se ela tivesse dado as condições fiscais para baixar -- subiu mais seis pontos em popularidade. Ou seja, quando ela estava no máximo erro, ela tinha uma máxima aprovação. Porque é o 'curtoprazismo' que domina as pessoas. A partir daí, foi uma intervenção errada atrás da outra. Controle do preço da gasolina, até o "laxismo", que foi só em 2014.

Não há risco de retrocesso, de se perder os avanços como a maior inclusão social dos últimos anos?

O retrocesso é para todos. Quando terminar 2016 provavelmente teremos voltado a 2009. Você desceu a escada, doutor. Piorou tudo. Quando as pessoas se sentem bem, quando a renda cresceu, você melhorou. E se sente melhor ainda quando a sua e a do outro também cresceu. Ou seja, se diminuiu a distância entre as pessoas. Porque não há nada pior do que olho gordo. O bem estar depende do crescimento e da distribuição da renda. E isso melhorou no governo Lula. Hoje, tem uma diminuição da renda e uma piora na sua distribuição. Portanto a sensação de bem estar é muito inferior do que era na era Lula.

E deve piorar mais?

Depende do que nós vamos fazer. O destino não está escrito. O destino é aquilo que você construir. Se se insistir nas tolices que se tem feito, vai continuar caindo. Se (o atual ou um novo governo) tiver condições de realmente mostrar para a sociedade que o que se pretende não é nenhum mal, que o que se pretende é o bem. é a volta de crescimento inclusivo e relativamente rápido.

O Globo

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